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Uso de bases de dados na agricultura está na mira de ONGs e empresas

Pesquisar maneiras de aumentar a produtividade e a eficiência no campo pode não ser algo tão antigo, mas também não dá para dizer que é muito recente. Ainda no início dos anos 20, em Dekalb, no estado de Illinois, meio-oeste dos Estados Unidos, começaram a ser feitas pesquisas para se chegar a variedades híbridas de milho com maior rendimento. Em 1928, foi lançado o primeiro produto e, em 1936, uma propaganda trazia a logomarca da espiga com asas, prometendo que os híbridos trariam “resultados extras” e seriam a porta para o produtor sair dos empréstimos.

Décadas depois, no final dos anos 90, todo o portfólio desenvolvido foi adquirido por uma das grandes multinacionais de biotecnologia e servem como parte de sua base de desenvolvimento. Atualmente, companhias do setor privado, institutos e empresas de pesquisa, como a Embrapa, estudam cultivares geneticamente modificadas e outras soluções químicas e biológicas com promessas de maior produtividade, além de resistência e tolerância a pragas, doenças e condições climáticas desfavoráveis.

Nesse meio tempo, a evolução tecnológica da atividade agropecuária levou à substituição da tração animal por modernas máquinas, uso de satélites, técnicas de manejo consideradas mais sustentáveis, como o plantio direto e, mais recentemente, aagricultura de precisão, em que o maquinário, por exemplo, é capaz de armazenar informações sobre o seu próprio desempenho – como o consumo de combustível – e as condições da terra por onde passa plantando e colhendo as safras anualmente.

Ao mesmo tempo em que as pesquisas e o trabalho de campo continuam, a questão que vem ganhando força é como entender melhor e aplicar nos ciclos produtivos todo esse grande volume de informações geradas na lavoura e nos laboratórios de uma forma mais precisa e eficiente. “Os aplicativos de dados vão levar a uma produtividade maior com a utilização dos mesmos recursos”, disse o representante da área econômica do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), Warren Preston, levantando a questão do Big Data, as grandes bases de dados, como a “próxima turbinada na produtividade”, em palestra no último Congresso Brasileiro de Soja, realizado pela Embrapa, em Florianópolis (SC).

A ideia de desenvolver a utilização e o compartilhamento de dados na agricultura vem chamando a atenção de companhias do setor e de tecnologia da informação, incluindo gigantes. Entre as iniciativas recentes, o Google Ventures, subsidiária da Google para investimentos, anunciou um aporte de US$ 15 milhões na Farmers Business Network (FBN). O negócio é reunir dados sobre produção e clima e oferecer aos produtores informações regionalizadas. “Gera informações poderosas a partir de dados em tempo real para ajudar agricultores a melhorar o desempenho de suas culturas”, resume o Google Ventures sobre seu parceiro. O acesso custa US$ 500 por ano, independente da área, no que a FBN chama de “one simple price.”

Mas há também iniciativas de compartilhamento livre. A Syngenta, por exemplo, anunciou também neste ano sua adesão à chamada “cultura de dados abertos”. A multinacional passou a colaborar com a organização não-governamental The Open Data Institute (ODI), que tem entre os seus fundadores Sir Tim Berners-Lee, criador da chamada world wide web (o “www” que inicia os endereços online). A ideia é ampliar a visibilidade de resultados voltados para produtividade e sustentabilidade associados aos produtos e tecnologias que a companhia lança no mercado.

“Dando visibilidade aos dados, outras entidades e empresas podem identificar oportunidades a partir das soluções que a gente desenvolve e disponibiliza”, afirma Fabrício Peres, chefe de Produtividade Sustentável para a América Latina da multinacional com matriz na Suíça, de onde partiu a escolha da ODI. “É uma etapa de um processo de compartilhamento. Não é de um ano para outro que a gente vai começar a usufruir os benefícios. Leva um tempo para absorver esses resultados e maximizar o uso dessas informações”, acrescenta.

Os dados fornecidos pela empresa foram incluídos em um trabalho que, já no seu título, dá uma ideia do que se espera daqui para a frente com esse tipo de colaboração em escala global: “Como podemos melhorar a agricultura, os alimentos e a nutrição com dados abertos?”. Segundo o The Open Data Institute, o documento foi produzido com o Global Open Data in Agriculture and Nutrition Initiative (Iniciativa Global de Dados Abertos em Agricultura e Nutrição, em tradução livre).

O Godan (na sigla em inglês) foi lançado em 2013 e afirma já possuir mais de 100 parceiros entre governos,organizações do setor privado e empresas. Entre os mencionados, estão o Governo dos Estados Unidos, o próprio The ODI e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). “É uma iniciativa que procura dar suporte aos esforços globais para tornar dados acessíveis e utilizáveis de forma irrestrita ao redor do mundo”, informa a instituição, em seu site, propondo também uma cooperação para solucionar “problemas globais de muito tempo”.

“O acesso e a publicação de dados abertos são recursos vitais para a segurança alimentar. Fazer os dados abertos funcionarem a agricultura requer uma agenda compartilhada para melhorar seu suprimento, qualidade e operacionalidade, ao lado de uma ação para construir a capacidade de uso por todos os interessados”, defende o Godan. A intenção pode até soar como utópica a uma primeira vista, mas se a ideia é mesmo formar uma grande “lavoura” de informações pelo mundo, também não deixa de ser lógico adotar a internet como a terra fértil para plantá-las.

Fonte: Revista Globo Rural