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Produtores de MS adotam boas práticas para uso racional da água

Com o Brasil atravessando uma grave crise hídrica, provocada pela escassez e distribuição irregular das chuvas, o que afetou o abastecimento de água de algumas cidades, a geração de energia e ameaça a produção de alimentos, a discussão e a busca por alternativas para racionalizar o uso da água em todo o país se intensificou. Em Mato Grosso do Sul, o produtor rural e ex-presidente da Federação de Agricultura e Pecuária (Famasul), Leôncio de Souza Brito Filho, de 70 anos, adotou um conjunto de boas práticas em sua fazenda, como a conservação do solo com plantio direto, rotação de culturas, integração lavoura-pecuária e captação da chuva para uso no cultivo, entre outras, que fizeram dele uma referência no estado para o uso sustentável da água na agricultura e pecuária.

A propriedade de Brito Filho, a fazenda Laudejá, esta localizada em Bonito, a 350 quilômetros de Campo Grande. O município é um polo de ecoturismo em razão da beleza das águas cristalinas de seus rios e de atrativos mundialmente famosos, como a gruta do Lago Azul. Em 2013 ganhou o prêmio de melhor destino de turismo responsável do mundo (World Responsible Tourism Awards) e no ano passado recebeu mais de 500 mil visitantes, conforme a prefeitura.

Nesta cidade, em que a preservação de seus recursos naturais, em especial, os hídricos tem uma importância ainda maior, encravada aos “pés” da serra da Bodoquena, fica a fazenda do ex-presidente da Famasul. A propriedade, de 10 mil hectares, está em sua família há mais de 50 anos. De sua extensão total, cerca de 5,2 mil hectares são de áreas de Preservação Permanente (APPs), de Reserva Legal (RL) e uma parte a

O produtor explica que no que se refere a quantidade de fontes de água, a propriedade possui uma condição privilegiada, mas que depende da estação de chuvas. Na extremidade norte esta o rio Laudejá, que diferentemente de outros cursos de água corre do campo para a serra, onde desaparece para ressurgir com o nome de rio Perdido. Ao sul esta a nascente do rio Branco. Além disso, conta ainda com um córrego intermitente, chamado de Juca, nas proximidades da sede. Todo esse potencial hídrico tem seu uso planejado nos mínimos detalhes na fazenda.inda pertencerá ao Parque Nacional da Serra da Bodoquena. Os outros 4,8 mil hectares são dedicados a produção agrícola e a pecuária de corte. Em cerca de um quarto da área, as duas atividades já estão integradas.

A calha subterrânea variável dos cursos de água, por exemplo, atende a sede e as casas dos funcionários. Um deles também é responsável pelo abastecimento de uma caixa de água de 20 mil litros que é usada para alimentar os bebedouros do confinamento do gado. Outra parte da água para os bovinos confinados vem da canalização do córrego do Juca e vai para um reservatório de 300 mil litros.

Na sede, a água chega até a caixa por meio de uma roda d’água, que é movimentada com a força da gravidade e declividade do terreno. Já para atender o confinamento o recurso natural utilizado para impulsionar a água é outro. Um catavento e duas motobombas, uma elétrica e outra a diesel, que é acionada em caso de falta de energia. A elétrica, calibrada para bombeamento de 5 mil litros com bóia automática, mantém o reservatório de 300 mil litros permanentemente cheio, o que evita o desperdício do precioso liquido.

Ainda na área do confinamento, onde faz a terminação de 1.200 cabeças em dois ciclos por ano, o filho do produtor, Leôncio de Souza Brito Neto, que administra a fazenda junto com o pai, substituiu as pilhetas de concreto com capacidade para 30 mil litros de água que atendiam simultaneamente animais de vários piquetes e que demandavam para a limpeza e manutenção o esgotamento total dos reservatórios, por bebedouros de metal, com capacidade de 500 litros cada. As novas estruturas otimizaram a oferta de água ao gado e reduziram o desperdício para a manutenção e limpeza.

Sempre com foco na sustentabilidade e melhor uso dos recursos a disposição, os dejetos produzidos pelos animais do confinamento são recolhidos e depois são utilizados como adubo para as pastagens (fertirrigação), onde esta o restante do rebanho do criador, que totaliza 6 mil cabeças. A aplicação ocorre em áreas específicas, previstas no licenciamento ambiental.

O produtor já planeja, a médio prazo, armazenar e utilizar na fertirrigação também das áreas de pasto, a água que escoa dos piquetes de confinamento, e que assim como os dejetos, é rica em nutrientes que podem ser absorvidos pelo solo, melhorando a sua fertilidade.

Para fornecer água aos animais que estão nas pastagens e também a outras áreas da propriedade, Brito Filho implantou ainda um sistema de captação da água do rio Laudejá. Com quatro rodas d’água, uma bomba acionada pela turbina e uma bomba elétrica, que fica de reserva no sistema, e usando as declividades do terreno e “tambores de distribuição”, criados por ele próprio a partir de botijões de gás vazios, para equilibrar a vazão, o liquido percorre quilômetros de encanamentos. No caminho passa por dez reservatórios de distribuição e armazenamento com capacidades que variam de 150 mil litros a 300 mil litros de água, até chegar aos pontos de consumo. O volume a mais que aciona as bombas mecânicas retorna para o rio.

Na área agrícola, o produtor pratica a agricultura de sequeiro, ou seja, sem o uso de irrigação. Os cultivos dependem do regime de chuvas da região para se desenvolver. Com a utilização desse sistema, ele adotou uma série de boas práticas para aproveitar ao máximo as precipitações. Faz os plantios utilizando sempre as curvas de nível, que diminuem a força das enxurradas, evitam a erosão e aumentam a umidade do solo, por impedir a descida rápida da água.

Também realiza a semeadura com o plantio direto, em que os restos da cultura anterior são deixados no solo, assegurando com essa cobertura a preservação da umidade, reduzindo a incidência de radiação e aumentando a matéria orgânica nas áreas. Adotou também a rotação de culturas e a integração entre a lavoura e a pecuária (ILP). Pela rotação, cultiva em cerca de 20% da propriedade, aproximadamente mil hectares, soja, entre outubro e fevereiro, milho com braquiária para a produção de silagem e grãos, entre fevereiro e julho, e deixa a pastagem para o gado no intervalo entre o outono e o inverno.

Com a rotação e a integração, Brito Filho aumentou a fertilidade, a quantidade de matéria orgânica e a porosidade do solo, tendo como resultado uma melhor absorção da água da chuva. Nessas áreas, o filho do produtor projeta que a produção de soja nesta safra (2014/2015) atinja entre 56 e 58 sacas por hectare, bem acima da média prevista para o ciclo em Mato Grosso do Sul pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que deve ficar em torno das 50 sacas por hectare.

Além disso, com a utilização de pastagens cultivadas em solos de alta qualidade, e tecnologias como o cruzamento industrial e a inseminação artificial, o produtor também aumentou eficiência da pecuária, com a lotação de animais chegando nestas áreas a 6 cabeças por hectare, o que possibilitou a aceleração das etapas de cria, recria e a terminação no confinamento, com bovinos sendo encaminhados para o abate com 24 meses e aproximadamente 18,5 arrobas, cerca de 277,5 quilos, peso que seria atingido em média no país, somente por animais com mais de 36 meses. Com essa melhoria de produtividade, ele também assegurou a redução do consumo de água por animal, que chega a cerca de 55 litros por dia. Com os bons resultados, a nova geração da família já planeja aumentar gradativamente a integração em toda a área produtiva da fazenda.

Outra medida adotada por Brito Filho visando a economia no uso dos recursos hídricos na fazenda foi a instalação de um sistema de captação e armazenamento da água da chuva para o preparo das caldas de defensivos que são aplicados nas lavouras. A captação ocorre na sede agrícola da propriedade, onde os barracões de armazenamento dos defensivos e de maquinários, além do silo e da moega de grãos, possuem canaletas e canos que levam a água das chuvas dos telhados para um reservatório com capacidade para 300 mil litros de água, volume suficiente para pulverizar pelo menos três vezes toda a área da lavoura.

“Com um bom volume de chuvas no mês nós conseguimos pulverizar a lavoura inteira, até porque também otimizamos o volume de calda aplicada, usando 100 litros por hectare, quando convencionalmente seria utilizando em torno de 150 litros por hectare”, explica o filho do produtor, completando que brevemente deve ser construído um novo reservatório de água das chuvas no local. O investimento visa eliminar totalmente a necessidade da captação dos cursos de água da região para fazer a pulverização, o que ainda ocorre em alguns períodos de estiagem. Além da questão do uso mais racional do recurso, o produtor diz que a utilização dessa água tem um complicador, como é muito alcalina, se for usada diretamente pode entupir os bicos do pulverizador, por isso, demanda sempre a mistura de um produto para reduzir seu Ph. Além disso, também interfere na eficiência do produto pulverizado.

Produtor rural Leôncio de Souza Brito Filho destaca a importância de preservar os recursos naturais para as futuras gerações (Foto: Anderson Viegas/Do Agrodebate)Brito Filho resume o trabalho para a preservação do meio ambiente, e em especial, dos recursos hidricos em sua fazenda, parafraseando um provérbio indiano. “Não recebemos a terra e seus recursos , como a água, como herança dos nossos pais. Apenas os tomamos emprestado dos nossos filhos e netos. Por isso, a preocupação com o uso racional, com a sustentabilidade. Temos o compromisso de entregar um ambiente equilibrado as novas gerações”, concluiu.

Agricultura familiar

Outro bom exemplo de uso mais equilibrado da água no meio rural em Mato Grosso do Sul vem de agricultores familiares e pequenos e médios produtores que implantaram unidades do projeto de Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (PAIS). A iniciativa é um sistema de produção que alia a criação de pequenos animais com o cultivo orgânico de vegetais. No processo produtivo utiliza insumos da própria propriedade, assegurando a preservação da qualidade do solo e das fontes de água, que tem uso mínimo no empreendimento.

Os kits de implantação do programa, com materiais e insumos, são fornecidos pela Fundação Banco do Brasil, enquanto que o Sebrae oferece orientação técnica para a instalação, manutenção e viabilização econômica do programa. “Cada unidade precisa de um espaço mínimo de meio hectare. Nesse local é implantando um galinheiro na área central e em torno, em forma de círculos, canteiros de hortaliças, que são produzidas sem uso de defensivos. Também possui um viveiro de mudas e um quintal agroecológico, onde são cultivadas culturas tradicionais como feijão, milho, mandioca, abóbora e frutíferas, que não precisam de irrigação”, explica o engenheiro agrônomo e consultor do Sebrae no estado, Elio Sussumu Kohehara.

Segundo Kohehara, capim seco é utilizado para dar cobertura ao solo dos canteiros, o que melhora a absorção de água e diminui a evaporação, mantendo a umidade por mais tempo. Também contribui para isso a compostagem que é feita a partir dos desejos das aves, o que incrementa a quantidade de matéria orgânica da área, facilitando a retenção do liquido. Com o solo mantido sempre nessas boas condições, o sistema demanda uma quantidade pequena de água, que é atendida por um reservatório de 5 mil litros. A irrigação é feita por meio de fitas gotejadoras, espalhadas ao redor dos canteiros, de uma a no máximo duas vezes por dia, para evitar o desperdício.
O produtor Vanderlei Azambuja, de 45 anos, que possui desde 2009 uma unidade de 1 hectare do PAIS no polo de produção de orgânicos em Campo Grande, aponta as diferenças do sistema para o método convencional de cultivo no que se refere a demanda hídrica. “Com o PAIS utilizo uma caixa de água para fazer a irrigação duas vezes por dia de toda a área. E não adianta irrigar mais porque vai ser desperdício, o solo não vai absorver porque ele já esta bem úmido. Da forma tradicional eu iria usar mais que o dobro dessa quantidade de água para produzir a mesma quantidade de hortaliças, entre 10 mil e 12 mil litros de água”, comenta.

Azambuja diz que o sistema além de preservar recursos naturais, como o solo e a água, ainda agrega valor aos seus produtos, que têm, inclusive, certificação de origem. “Um produto orgânico certificado, que o consumidor sabe que foi produzido sem o uso de defensivos, com uso equilibrado da água, com preservação do solo, tem uma valorização maior e não é preciso nem muito trabalho para vender. O produto praticamente se vende sozinho”, analisa o agricultor.

Segundo o Sebrae , Mato Grosso do Sul tem 350 unidades do PAIS espalhadas por cerca de 12 municípios. A instalação de cada unidade demora em média 90 dias. Os kits de instalação fornecidos pela fundação têm valor entre R$ 6 mil e R$ 8 mil. A projeção da entidade é que com o sistema implantado, o produtor beneficiado possa ter uma renda de R$ 1 mil a R$ 1,5 mil por mês, com as vendas dos produtos agrícolas, dos ovos e das galinhas.

Produtores de água

Além dos produtores rurais que adotam boas práticas e tecnologias para utilizarem do modo mais sustentável a água nos seus sistemas produtivos, em Mato Grosso do Sul, alguns agricultores e pecuaristas já estão sendo remunerados pelo poder público por assegurarem a preservação de nascentes de rios e córregos que têm importante papel no sistema de abastecimento de água, são os chamados “produtores de água”.

Esse é o caso de Jesusmar Modesto Ramos, de Campo Grande. Ele é um dos cinco produtores rurais do município que estão integrados a fase I do Programa Manancial Vivo (PMV), desenvolvido pela prefeitura da cidade, a concessionária responsável pelo abastecimento do município, a Águas Guariroba, e a Agência Nacional de Águas (ANA).

O PMV é um programa voluntário de restauração do potencial hídrico e do controle da poluição difusa no meio rural. Foi criado em 2009, na busca de alternativas para os problemas decorrentes de processos erosivos e diante da necessidade da recuperação e conservação das bacias hidrográficas das fontes superficiais que abastecem o município, como o córrego Guariroba, de onde vêm 40% do abastecimento de Campo Grande, e o córrego Lageado, de onde são captados 16%. Os outros 44% são de captações subterrâneas.

O PMV prevê um pagamento por prestação de serviços ambientais (PSA) aos produtores rurais que, por meio de práticas e manejos conservacionistas e de melhoria da distribuição da cobertura florestal na paisagem, contribuam para o aumento da infiltração de água e para o abatimento efetivo da erosão, sedimentação e incremento de biodiversidade.

Parte da propriedade de Ramos, a fazenda Nova Alvorada, esta localizada dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) dos Mananciais do córrego Guariroba, onde estão as nascentes da bacia. Dos 351 hectares, 100 são de áreas de proteção permanente (APPs). Ele trabalha com pecuária e as áreas de nascentes são todas cercadas para evitar que o gado faça a dessedentação, causando danos a esses locais.

Além disso, esta executando obras de terraceamento dos locais indicados pelos técnicos do município e em meados deste ano assume a responsabilidade pela manutenção de sete mil árvores que foram plantadas em sua propriedade dentro da área da APA. Pelo trabalho desenvolvido para a conservação das nascentes, ele já recebeu dois pagamentos do programa, sendo o último de aproximadamente R$ 20 mil, referente a 2014.

“Esse é um programa muito interessante, porque nós [produtores] temos que fazer a preservação desses locais, até porque são áreas de preservação permanente. Então, ao oferecer uma remuneração por esse cuidado e esse trabalho, se tem um reconhecimento desse esforço, o que acaba beneficiando toda a população que é abastecida por esses mananciais”, destaca Ramos.

De acordo com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano (Semadur), para operacionalização do PMV, a APA do Guariroba foi dividida em cinco sub-bacias: Guariroba, Saltinho, Tocos, Rondinha e Reservatório, sendo que cada uma corresponde a uma fase do programa.

Segundo a secretaria, na primeira fase do programa já foram executadas obras de terraceamento, cercamento das áreas de preservação permanente (APPs) e recuperação de 10 hectares de APPs, que correspondem as obrigações do PMV, bem como os trabalhos de avaliação da situação de cada propriedade inscrita, a fim de que fossem calculados os valores destinados a cada uma. Também foram pagas as parcelas referentes ao PSA de 2013, no valor total de R$ 52 mil, e de 2014, que totalizou R$ 66,4 mil, aos cinco produtores integrados a está etapa. A média de remuneração foi de R$ 13,3 mil e o valor variou conforme o tamanho da área de cada produtor na APA e as ações executadas.

A secretaria aponta que para está segunda etapa da iniciativa já estão sendo elaborados os contratos de PSA para 14 produtores da sub-bacia do córrego Saltinho. Também estão sendo preparados os projetos para obras de terraceamento, restauração e cercamento de APPs.

Aumento da preocupação e consumo

A preocupação com o uso racional da água expressada por esses produtores sul-mato-grossenses, aumentou muito no país no último ano em razão da grave crise hídrica que atinge diversos estados. Já afetando o fornecimento para o consumo humano e a geração de energia, o problema também fomentou as discussões em relação a quantidade de água gasta para a produção dos alimentos e sobre quais medidas podem ser adotadas para reduzir esse consumo.

A fundação Water Footprint Network, uma rede internacional de pesquisas, reúne diversos estudos e trabalhos sobre o assunto, sendo um dos principais o do cálculo da chamada pegada hídrica ou água virtual, que aponta qual o volume do liquido utilizado para produzir determinados tipos de alimentos, considerando todas as etapas do ciclo produtivo.

Este trabalho da entidade revela, por exemplo, que para a produção de um quilo de carne bovina, considerando desde os grãos que o animal ingere na ração, o seu consumo direto e a quantidade de líquido necessária para a manutenção das pastagens, entre outros aspectos, são necessários, em uma média global, 15.400 litros de água. Já para um quilo de carne suína são demandados 5.990 litros e para um quilo de carne de frango 4.330 litros. No caso dos produtos agrícolas, a Water Footprint Network destaca um consumo um pouco menor, mas ainda expressivo: 2.145 litros para um quilo de soja, 1.670 litros para um quilo de arroz, 1.220 litros para um quilo de milho e 710 litros para um quilo de tomate. A pegada hídrica também é significativa no que se refere aos produtos prontos para o consumo: 74 litros para uma taça de cerveja, 130 litros para uma xícara de café e 1.260 litros para uma pizza margherita.

Segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), de 2013, 97,5% da água disponível no mundo é salgada e imprópria para o consumo. Dos outros 2,5% que configuram a porção de água doce, 70% estão na forma de gelo, 29,7% no subsolo e somente 0,3% oferecem “fácil acesso” em rios e lagos.

No Brasil, levantamento de 2012 da Agência Nacional de Águas (ANA) revela que 72% da água extraída no país, que chega a 1.161 metros cúbicos por segundo, são destinados a irrigação, 11% a pecuária, 9% ao consumo urbano, 7% ao industrial e 1% ao rural.

Já em Mato Grosso do Sul, o Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH), de 2009, aponta que o estado tinha na época uma vazão para atender a demanda de 22,869 metros cúbicos de água por segundo. Desse volume, 75,46% (17,257 metros cúbicos por segundo) eram voltados para atender a dessedentação de animais (pecuária); 14,56% (3,332 metros cúbicos por segundo), a irrigação; 5,01% (1,146 metros cúbicos por segundo), o abastecimento urbano; 4,06% (0,929 metros cúbicos por segundo), o setor industrial e 0,89% (0,205 metros cúbicos por segundo), o abastecimento rural.

Pesquisas

Na busca por alternativas para equilibrar cada vez mais o uso racional da água com o consumo para a produção de alimentos, que são tão necessários a sobrevivência humana quanto o próprio liquido, a pesquisa e a inovação científica têm desempenhado um papel importante. A Embrapa Agropecuária Oeste, localizada em Dourados, na região sul do estado é um dos polos de estudos sobre o assunto no país, com vários trabalhos sendo realizados sobre o melhor aproveitamento dos recursos hídricos na agricultura e pecuária.

O pesquisador Danilton Luiz Flumignan, doutor em Irrigação e Drenagem, por exemplo, tem desenvolvido desde 2014 um trabalho voltado para calcular o coeficiente de cultivo (Kc) da soja e do milho para áreas irrigadas em Mato Grosso do Sul. O Kc é o parâmetro que define a quantidade de água que cada cultura precisa para atingir o máximo do seu potencial produtivo.

Flumignan explica que no estado a maior parte dos produtores cultiva as lavouras no sistema de sequeiro. Sem uso de irrigação, ele ressalta que as áreas cultivadas dessa forma estão sujeitas a enfrentarem déficits hídricos, ocasionados por períodos de estiagem e por distribuição irregular das chuvas, o que acaba comprometendo parte da produtividade das culturas e a rentabilidade dos empreendimentos.

Para mostrar como a deficiência de água pode afetar a rentabilidade de uma cultura o pesquisador cita o exemplo da soja. “Na pesquisa identificamos que para o cultivo, na região da Grande Dourados, de uma variedade precoce, com ciclo de 118 dias, a planta precisa de mais ou menos 490 milímetros de água entre o plantio e a colheita. Neste período, a média de chuvas na região é de 610 milímetros, mas essas precipitações em geral têm uma distribuição desuniforme, apresentando concentração de grandes volumes, em alguns momentos em que a planta não precisa tanto, e de baixo, quando ela mais demanda. Desse modo, analisando dados das últimas 11 safras, descobrimos que nesta região o déficit hídrico para a soja foi na média de 220 milímetros”, explica.

Flumignan comenta que esse déficit, que representa 44,9% do que a planta precisa de água no seu ciclo completo, vai reduzir significativamente seu potencial produtivo, para 70% ou até 50%. “Daí entra a importância do coeficiente de cultivo. A partir das informações dele o produtor pode adotar uma série de práticas para aproveitar melhor a água das chuvas, assegurando sua permanência no solo por um período maior de tempo e também utilizar a irrigação nos momentos chave, em que ocorre uma estiagem e a planta mais precisa de água para se desenvolver”, detalha.

Entre as boas práticas para melhorar o aproveitamento da água na agricultura, o pesquisador cita o plantio direto na palha, que reduz a velocidade das gotas de água que vem da chuva ou irrigação, promovendo a infiltração gradativa e uma melhor absorção pelo solo, além de diminuir a incidência de radiação solar, que provoca a evaporação do liquido, mantendo dessa forma a umidade no solo para a utilização pelas plantas.

Ele também apontou o plantio em curvas de nível, para diminuir a velocidade da enxurrada, facilitando a infiltração da água no solo e evitando que nutrientes sejam perdidos. Outra prática citada foi a da descompactação do solo, que torna o terreno mais poroso e aumenta a sua condutividade hidráulica, ou seja, facilita a movimentação da água, além de ampliar a quantidade de água que o solo consegue armazenar.

“Esse benefício é claramente obtido nos sistemas integrados de produção que utilizam a braquiária. Esta espécie contribui muito para melhorar a qualidade física do solo, promovendo a sua descompatação, melhorando a sua estrutura, aumentando a sua porosidade e capacidade de retenção de água”, explica o pesquisador.

Por fim, apontou também na relação a rotação de culturas e a integração, principalmente o sistema lavoura-pecuária-floresta (ILPF). “Com a rotação se tem mais matéria orgânica no solo e quanto mais matéria orgânica melhor a retenção de água. Já a integração com o sistema florestal é uma grande estratégia para aumentar o armazenamento de água. A floresta plantada reduz a velocidade dos ventos e diminui o consumo de água da lavoura ou da pastagem cultivada, aumentando a manutenção de água no solo por mais tempo”, relata.

Ainda sobre o coeficiente de cultivo, Flumignan destaca que o parâmetro também é importante para o zoneamento agrícola, já que com informações sobre qual a necessidade hídrica das plantas, qual a quantidade de água que entra tradicionalmente no ciclo produtivo pelas chuvas e qual seu balanço hídrico, ou seja, o volume do liquido que entra e sai do sistema, é possível definir e os melhores períodos para o cultivo de cada cultura. “Nesse sentido a Embrapa Agropecuária Oeste já desenvolveu alguns estudos com diferentes culturas, entre elas a soja, o milho safrinha, o feijão, a canola e o sorgo sacarino, entre outros”, comenta.

O pesquisador diz que em 2015 deve estar publicando um trabalho sobre a pesquisa com coeficientes de cultivo e revela que parte dos dados já estão disponíveis para o público no site do Guia Clima, um outro projeto da Embrapa Agropecuária Oeste, que também esta relacionado ao uso mais equilibrado dos recursos hídricos.

O Guia Clima é página da internet de agrometeorologia. A ferramenta, que é coordenada pelo pesquisador Carlos Ricardo Fietz e que foi lançada em 2014, apresenta estatísticas dos principais elementos meteorológicos na região de Dourados e Rio Brilhante, considerando períodos de dez dias ou mensais. “Essas estatísticas fornecem uma visão ampla do comportamento do clima na região e podem ser utilizadas como base para o dimensionamento de projetos e para subsidiar a tomada de decisões na agricultura, como, por exemplo, adiar ou antecipar um período de plantio, ou indicar o período em que as culturas mais precisam de água, em razão da estiagem, o que poderia ser compensado com a irrigação”, analisa.

Fietz revela que esta em desenvolvimento na instituição uma outra ferramenta para uso pela internet que importa dados do Guia Clima para fazer o manejo racional da irrigação, o Irriweb. O pesquisador diz que o sistema possibilitará ao produtor quantificar em tempo real a água disponível, a umidade do solo, a deficiência ou excesso hídrico e a lâmina de água necessária de irrigação.

Também em tempo real emitirá avisos sobre a ocorrência de chuvas insuficientes para suprir o déficit hídrico e a aplicação de lâminas de irrigação excessivas. Para usar o sistema, o produtor precisará cadastrar informações sobre a cultura, solo e indicar de qual estação meteorológica do Guia Clima ele utilizará dados. “Tendo algumas noções básicas, a nossa intenção é que o próprio produtor rural possa utilizar o Irriweb, fazendo o manejo de sua irrigação”, projeta o pesquisador, completando que a expectativa é que o sistema esteja disponível para uso também já neste ano.

Outro projeto desenvolvido na entidade de pesquisa tem foco no reuso da água. O doutor em Agronomia, Walder Antonio Gomes de Albuquerque Nunes, realiza desde 2009 um estudo para fazer o aproveitamento dos dejetos líquidos de suínos na fertirrigação de lavouras. A captação do material ocorre na última lagoa do sistema de um biodigestor, onde os dejetos, primeiro, originam biogás. Depois esse material, seja na forma in natura ou enriquecido, quando demanda o transporte a distâncias maiores, é aplicado nas áreas agrícolas por meio de aspersores.

Pesquisador Walder Nunes, da Embrapa Agropecuária Oeste, estuda reuso da água (Foto: Embrapa Agropecuária Oeste/Silvia Borges)Nunes diz que iniciou a pesquisa em razão de dois motivos. O primeiro, dar uma destinação correta a um material que se fosse despejado no meio ambiente da maneira errada poderia provocar a contaminação de solos e de fontes subterrâneas de água. O segundo é aproveitar o que antes era visto apenas como resíduo, mas que tinha grande potencial para ser um novo subproduto da suinocultura, em razão da elevada carga de nutrientes que possui.

“Além do ganho ambiental, de reutilizar essa água, o produtor ainda tem o ganho econômico, se ele possuir as duas atividades na mesma propriedade, já que poderá reduzir os seus gastos com a adubação, utilizando a fertirrigação. Entretanto, o uso desses dejetos líquidos demanda sempre muita prudência, já que se forem aplicados de forma excessiva podem contaminar os solos e os lençóis freáticos”, destaca o pesquisador, completando que um suíno adulto em uma granja de terminação ou engorda para o abate produz em média 11 litros de dejetos líquidos por dia.

Difusão de boas práticas

Uma das boas práticas citadas pelo pesquisador Danilton Luiz Flumignan, o plantio direto, ganhou tanta importância no cenário agrícola brasileiro, que inclusive, foi criada uma entidade para difundi-la e discutir seu aperfeiçoamento, a Federação Brasileira de Plantio Direto e Irrigação (Febrapdp).

Segundo seu presidente, Alfonso Adriano Sleutjes, a técnica esta em uso no Brasil desde 1972, quando um produtor paranaense que teve todo o seu preparo de solo destruído por uma chuva torrencial, a importou dos Estados Unidos. “A partir daí começou todo um trabalho de desenvolvimento de tecnologia, para a adequação de máquinas e herbicidas. Atualmente mais de 50% dos produtores do país já a utilizam”, comenta.

Além das vantagens já citadas por Flumingnan, Sleutjes aponta outras duas para o sistema no que se refere aos recursos hídricos. “Quando utilizada junto com a irrigação ela representa uma economia de até 30% no volume de água que seria gasto em relação ao sistema convencional, porque atua como um isolante térmico, que diminui a evaporação e mantém a umidade. Como é matéria orgânica facilita a infiltração de água no solo, o que abastece as fontes subterrâneas de água, como os aqüíferos”, explica.

Para difundir ainda mais as boas práticas como o plantio direto e novas soluções tecnológicas para o uso com racionalidade da água na agricultura e pecuária, um grupo de órgãos e instituições federais que incluem o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), a Embrapa, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e a ANA, criaram o hot site Água na Agricultura.

Lançada oficialmente no dia 11 de fevereiro, a página da internet oferece gratuitamente um panorama atualizado do cenário hídrico no país. Dispõe de informações sobre monitoramento da safra, precipitações e condições de clima, perguntas e respostas sobre as principais dúvidas relacionadas à questão hídrica, serviços, sistemas e tecnologias disponíveis para o enfrentamento da escassez hídrica, material informativo produzido pela Embrapa sobre o assunto e ainda notícias sobre o problema.

Legislação sul-mato-grossense

Mato Grosso do Sul conta desde 2009 com uma importante ferramenta para fazer a gestão do uso da água de fontes superficiais e subterrâneas, o Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH). O instrumento visa orientar o planejamento e a implementação da política estadual de recursos hídricos por meio de um conjunto de 15 programas que tem o objetivo de assegurar a proteção de suas reservas com um modelo sustentável de desenvolvimento.

“A política de gestão dos recursos hídricos esta muito bem definida com o plano estadual, o que precisamos agora é executar os programas, até porque, quando ele foi elaborado existia uma preocupação com a questão hídrica, mas não tinha a gravidade que vivenciamos hoje, com efeitos no país e estado. Mato Grosso do Sul tem uma posição hídrica ainda favorável, sob o ponto de vista da disponibilidade de água. O que temos que fazer é nos preparar para que não ocorra um problema. E isso passou a ser uma pauta emergencial”, comenta o secretário estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento, Jaime Verruck.

Uma das principais ações do plano, e que já esta sendo implementada, segundo o secretário é o cadastramento de usuários de água bruta, que é obrigatório para todos que fazem a captação seja de fontes superficiais ou subterrâneas, como as concessionárias de abastecimento e produtores rurais, por exemplo.

Conforme ele, o decreto que instituiu o cadastro não prevê penalidade, mas o usuário de água bruta que for flagrado fazendo a captação sem possuir o registro que é feito no Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul), será notificado e terá de suspender o uso até fazer a sua regularização. Confira mais detalhes sobre o assunto no vídeo abaixo. Clique em: http://zip.net/bhqPTp

De acordo com o Imasul, o cadastramento começou a ser feito em 2012 e até fevereiro deste ano 2.776 usuários tinham fornecido seus dados. Desse total, 18,9% dos registros foram feitos por produtores rurais, sendo 380 cadastros para uso na dessedentação animal (pecuária) e 145 na agricultura (irrigação). A adesão ainda é considerada baixa, conforme avalia o gerente de recursos hídricos do órgão, Leonardo Sampaio Costa, já que a estimativa somente no que se refere ao uso de fontes subterrâneas, é que o estado tenha 15 mil poços, sendo somente 2 mil regularizados. Por isso, ele diz que deverá haver continuidade no trabalho de conscientização e mobilização dos usuários que vem sendo realizada desde 2013.

Paralelo a gestão dos recursos hídricos do estado, o secretário de Meio Ambiente comenta que esta sendo desenvolvido o Plano Estadual de Irrigação. “O grande objetivo é ampliar a capacidade de produção, sem precisar abrir novas áreas. Esse plano vai ser conduzido em parceria entre as secretarias de Meio Ambiente e Desenvolvimento e a de Produção e Agricultura Familiar. Todo o trabalho vai ser feito em consonância com a política estadual de recursos hídricos para avaliar onde existe disponibilidade de água e de onde essa água pode ser captada”, explica.

Verruck revela que o objetivo é que no início do segundo semestre o Plano Estadual de Irrigação já esteja pronto, para que o governo do estado possa definir as ações e buscar recursos para implementá-las. Dados de 2006, do Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o estado tinha na época 78,7 mil hectares de área irrigada. O PERH apontou em 2009, que a irrigação tinha o terceiro maior consumo de água no estado, com uma vazão de demanda de 3,332 metros cúbicos por segundo, vindo atrás somente da pecuária, que tinha uma vazão de demanda de 17, 257 metros cúbicos por segundo. Entretanto, na atualização dos dados do plano, que deve ser realizada em 2015, a projeção dos técnicos é que o consumo da irrigação em Mato Grosso do Sul já esteja em um patamar bem próximo ao da pecuária.

Agrodebate