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Guardar a safra em casa melhora a rentabilidade

A sugestão do gerente de uma agência bancária mudou a vida de um grupo de agricultores de Palotina, no oeste paranaense. Eles foram ao banco em busca de informações sobre as linhas de crédito para construir seus própriosarmazéns e o gerente sugeriu que convidassem outros produtores rurais para investir juntos em um sóempreendimento.

O agricultor Adyr Dazzi, um dos que estavam no banco, não recorda se havia quatro ou cinco pessoas ouvindo a sugestão. O fato, diz ele, é que “aí começaram as conversas” para “amadurecer” a ideia, que resultou na criação doCondomínio Agro5Mil, presidido por ele e formado por 14 pequenos e médios agricultores. “A falta de informações foi nossa maior dificuldade”, conta Dazzi, ao lembrar das batalhas para conseguir a documentação necessária para viabilizar o empreendimento, ainda em 2004.

Os produtores iniciaram as obras em 2005 e começaram a guardar os grãos em 2006. Passados dez anos, o condomínio dispõe de quatro moegas, seis silos com capacidade para 270 mil sacas, além de estrutura paralimpeza, secagem e beneficiamento dos grãos e área administrativa. Dazzi calcula que dá para armazenar umasafra e meia de soja, além de toda a safrinha de milho dos associados, que juntos cultivam 3.600 hectares. Ele conta que para alguns agricultores foi uma oportunidade única de ter algo que não seria possível sozinho. “Tem gente com área pequena, e ficaria inviável. No condomínio, ele consegue.”

O Agro5Mil já está na segunda fase de ampliação. Até a colheita da safrinha de milho deste ano, a expectativa é ter mais três silos em operação, o que ampliará a capacidade para 430 mil sacas, além de um secador novo e mais um silo só para a separação das impurezas, que passará a ser toda automatizada. O empreendimento emprega cinco funcionários fixos, além de seis a oito trabalhadores temporários contratados no período da safra.

A experiência serviu de exemplo para iniciativas semelhantes na região. Uma delas é o Condomínio AgroPalotina, cujas obras devem estar prontas para receber o milho safrinha a ser colhido pelos seus 13 associados. “A ideia foi discutida durante mais ou menos um ano. Resolvemos montar o condomínio para melhorar a logística da produção”, conta o presidente, Darci Curioletti. O projeto prevê sete silos para 360 mil sacas, quatro moegas, um secador,balanças e tombadores que admitem caminhões de até nove eixos, além dos escritórios.

Nesse tipo de associação, cada integrante tem sua cota. A participação leva em conta a área individual de plantiodos condôminos. No Agro5Mil, a menor cota corresponde a 2,11% e a maior a 15,81%. No AgroPalotina, o maior cotista tem 11% e o menor 1%. Os direitos e deveres são os mesmos, mas cumpridos de modo proporcional à cota. Se alguém se retira do condomínio, primeiro a cota é oferecida aos demais associados. Se não houver interesse, é considerada a admissão de um novo integrante. Sobras podem ser distribuídas ou compor um fundo de caixa. Todo o regulamento deve constar em um estatuto registrado em cartório e aplicado em comum acordo.

Regras específicas de registro, comercialização e distribuição de receita podem ser diferentes em cada condomínio. O que há em comum é o objetivo: agregar valor à produção e ter mais eficiência na gestão do negócio. “Além de valorizar o produto, melhorou a margem na compra dos insumos, que a gente faz em conjunto”, conta Adyr Dazzi. Curioletti, do AgroPalotina, lembra também que, escalonando as vendas, o produtor economiza em frete. E, com maior controle sobre a produção, melhora seu poder de negociação. “Tem época em que vai ter spread menor, mas quando armazena, espera a demanda e a melhor época, tem diferença. Administrando, eu consigo rentabilidade maior. Se entrego de cara, perco a barganha.”

Ainda é pouco

No entanto, sozinhos ou em conjunto, agricultores que têm estruturas próprias de armazenagem ainda fazem parte de um grupo relativamente pequeno no Brasil. Dados da Carlos Cogo Consultoria Agroeconômica apontam que apenas 16% do volume produzido é estocado nas propriedades (veja gráfico à pag. 31). “É o único grande produtor mundial de grãos com baixa capacidade nas fazendas”, afirma o levantamento. Para o diretor da Consultoria Macrologística, Renato Pavan, o ideal seria as fazendas terem espaço para mais de 60% da safra. “A armazenagem na propriedade é o ponto inicial do sistema logístico e onde há mais desequilíbrio.”

Pavan calcula que, ao depositar a safra em armazéns de terceiros, os agricultores deixam de faturar pelo menos 15% do valor da produção. A conta começa na colheita, nem sempre feita com a umidade no ponto ideal. Além disso, o produtor paga frete e despesas cobradas pelos armazenadores para limpar, secar e guardar o grão. Com armazenagem própria, ele reduz riscos na colheita e pode controlar a gestão do produto, vendendo no melhor momento.

“É vantagem armazenar na fazenda. Por isso estou sempre investindo”, afirma Adelmo Zuanazi, produtor rural em Sinop (MT), que há muito tempo colhe os benefícios de guardar consigo a produção. Ele começou a investir na armazenagem em 1994, quando decidiu criar suínos e precisava de um local para armazenar o milho usado naração. Seu primeiro silo era para 10 mil sacas (600 toneladas).

Zuanazi desistiu da suinocultura, mas continuou produzindo grãos. Ele cultiva 2.200 hectares com soja no verão. Dependendo das condições de mercado e clima, reutiliza de 60% a 90% da área para cultivo do milho safrinha. Sua capacidade de estocagem atual é de 16.000 toneladas, além da estrutura de limpeza e secagem. “Isso traz umaeconomia, especialmente de transporte”, diz Zuanazi, que antes negociava a estocagem a um custo entre 4% e 5% do valor do grão. Segundo o agricultor, a economia com a estrutura própria praticamente paga a parte operacional e o ganho na comercialização cobre os investimentos.

O deficit de armazenagem na fazenda não significa apenas um desequilíbrio no sistema logístico brasileiro, mas também a menor competitividade em relação aos concorrentes internacionais. O levantamento da Carlos Cogo Consultoria Agroeconômica evidencia o atraso do Brasil. Nos Estados Unidos, existe capacidade para 65% da safra; na Argentina, 40%; na União Europeia, 50%; e no Canadá, 80%. “A baixa capacidade nas propriedades rurais é uma situação desfavorável do Brasil, pois sobrecarrega o transporte e a armazenagem intermediária em épocas de colheita, além de elevar a demanda por estocagem nos terminais portuários”, avalia a empresa.

Financiamento

O caos logístico ocorrido em 2013, quando o atraso nos embarques de grãos provocou filas quilométricas de caminhões nos portos e nas estradas, deixou evidente que grande parte da safra estava sendo estocada sobre rodas. Para mudar a situação, naquele ano, o governo anunciou aportes anuais de R$ 5 bilhões durante cinco anos para incentivar a construção de armazéns. A maior parte dos recursos está no Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA), linha de crédito com recursos do Banco do Brasil e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com condições mais vantajosas que o Moderinfra.

O programa demorou a decolar. Nos primeiros cinco meses da safra passada, entre julho e novembro de 2013, foram liberados R$ 17,3 milhões, quando o previsto eram R$ 3,5 bilhões. Na safra atual, nos primeiros cinco meses, foram contratados R$ 2,143 bilhões, que correspondem a 61,3% dos R$ 3,5 bilhões programados até julho deste ano. O coordenador de políticas setoriais da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, João Cláudio da Silva Souza, atribui o atraso inicial ao fato de ser um programa novo e pouco conhecido. “Há obstáculos normativos quando um programa é novo. Até os bancos começarem a aplicar, há uma série de normas que devem estar à disposição.” Superada a dificuldade inicial, o PCA fechou a safra passada com aplicações de R$ 3,862 bilhões, 10,3% a mais que o previsto. “A tendência é continuar em uma crescente porque há demanda e deficit (de armazenagem), além das condições serem muito boas”, diz ele.

O Banco do Brasil, principal agente financeiro do PCA, reforça a expectativa positiva para o programa. A instituição espera superar a meta prevista para esta safra, que é de R$ 2,250 bilhões. Na safra 2013/2014, a meta era de R$ 2 bilhões, mas, devido à grande procura, foram liberados R$ 2,7 bilhões. Dos financiamentos concedidos entre julho e novembro deste ano, R$ 1,66 bilhão corresponderam a operações do banco. O vice-presidente de agronegócios do BB, Osmar Dias, acredita que a maior demanda tem sido do proprietário rural. “Ele viu no programa uma oportunidade de resolver um problema que é histórico para ele e para o próprio país”, afirma.

Dinheiro no bolso

“O PCA é dinheiro dado”, avalia Renato Pavan, da Macrologística. De acordo com ele, o investimento médio em armazenagem é de cerca de R$ 400 por tonelada. Considerando prazo e carência, o desembolso anual para quitar o financiamento é estimado em R$ 36 por tonelada. “Com o que se deixa de perder na colheita e transporte, paga o financiamento e, com o armazém, ele terá mais dinheiro no bolso”, avalia o consultor.

As fabricantes de equipamentos para armazenagem também estão otimistas. “As condições atuais beneficiam aquele que já está capitalizado e o que não está”, avalia José Luiz Viscardi, diretor de vendas e marketing de armazenagem da GSI, do Grupo AGCO. Na GSI, os projetos para fazendas correspondem a 30% do total. Ainda estão atrás de cooperativas e cerealistas, mas Viscardi acredita que o cenário deve mudar. “A demanda do produtor deve aumentar e chegar aos 50% de nossos negócios em 2015.”

Outra grande empresa, a Kepler Weber, reconhece que o PCA foi decisivo para acelerar a demanda do produtor. De acordo com o superintendente comercial da empresa, Tadeu Vino, nos primeiros seis meses do programa, ainda em 2013, a procura por novos projetos na empresa aumentou 40%. “Houve uma grande procura por armazenagem napropriedade porque o programa financia, além dos equipamentos, as obras civis e outras partes necessárias”, diz ele, acrescentando que em 2014 a tendência também era de crescimento. O balanço da empresa, que pode confirmar essa expectativa, está previsto para o próximo dia 23 de março.

A trajetória do condomínio Agro5Mil reflete as  mudanças na política de incentivo à armazenagem. Adyr Dazzi lembra que, do valor inicial do empreendimento, 15% foram bancados com recursos próprios dos condôminos e 75% financiados. O grupo utilizou duas linhas oficiais de crédito: o Finame, com taxas de 13,9% ao ano; e o Moderinfra, a 8,5% ao ano. Já na ampliação, recorreu ao PCA, com taxas de 4% ao ano, 15 anos para quitação do empréstimo e dois anos de carência.

Se as condições de financiamento não são mais um obstáculo, outros fatores precisam melhorar. Renato Pavan, da Macrologística, cita o montante de recursos como uma limitação. Ele calcula que o ideal seriam  R$ 6 bilhões anuais em dez anos, considerando um crescimento médio de 5% ao ano na produção. “É preciso criar um Meu Silo Minha Vida, com campanha maciça de divulgação”, diz, em alusão ao programa federal que viabiliza a construção de casas populares. Pavan defende também uma segmentação, com ênfase na estocagem de grãos na fazenda e metas claras de redução do deficit. “Sempre vai ter um restinho de safra que não será coberto na propriedade. Mas, como está hoje, há um desequilíbrio que encarece a logística.” Ele diz ainda que há problemas burocráticos, como dificuldade na obtenção de licença ambiental, que impedem a liberação do crédito nos bancos.

Os produtores reforçam as queixas em relação à demora e à burocracia. Na opinião de Dazzi, do Agro5Mil, o processo é muito lento quando se consideram as garantias que o agricultor tem de oferecer. “E não há um tratamento uniforme nas instituições financeiras. O banco poderia liberar com mais facilidade.” Adelmo Zuanazi, de Sinop, acrescenta que “o custo Brasil é absurdo, a burocracia, o projeto... Tem de pagar muita coisa”. Diante da situação, afirma que prefere usar capital próprio, mesmo que demore mais para executar seus planos. “Obter crédito, só mesmo em último caso.”

Do lado do governo, João Cláudio da Silva Souza, do Ministério da Agricultura (Mapa), reconhece as dificuldades, como a questão dos licenciamentos ambientais. “O problema é a falta de capacidade do Estado em suprir essa demanda em um tempo razoável.” Sobre a possibilidade de segmentação dos programas de armazenagem, afirma não considerar necessário, porque a maior demanda já é para grãos. “A procura por outros segmentos é marginal. Mas a gente espera que todos  os setores sejam atendidos.”

Osmar Dias, do Banco do Brasil, contesta que haja demora na liberação de crédito pela instituição. Ele lembra que, além da licença ambiental, há rigor na avaliação dos projetos técnicos e das garantias do cliente. “Cumpridas essas etapas, é liberado em 20 a 30 dias. Estamos falando de recursos públicos, o que nos obriga a ser rigorosos. A demora não ocorre do lado do banco, mas do cliente.”

No entanto, tão importante quanto os estudos dos especialistas, a ação do governo e a resposta do mercado, é a participação do produtor nesse processo, afirma Renato Pavan. “O agricultor deve estar mais atento à comercialização. Hoje em dia, está muito mais preocupado em produzir. Mudar a cultura é difícil. É preciso esclarecimento e informação.”

Fonte: Revista Globo Rural