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Força do Agronegócio: especialistas discutem desafios com clima e água

Futuro. O que esperar dele? Depois de uma estiagem que assustou e que deixou marcas, fica a dúvida. A crise da água reavivou debates importantes, como o próprio fato de ainda ser um problema real, histórico, que não vai passar com a chuva que chegou.

Durante esta série de sete reportagens, foi contextualizado os impactos dessa crise, o modo como a ocupação do território e o desmatamento contribuem para a potencialização dela e caminhos para que essa situação se reverta. Nesta última reportagem, alguns especialistas foram convidados para analisar o cenário atual e discutir os principais desafios a serem enfrentados.

Clima
Para Luiz Fernando Schettino, doutor em ciências florestais, a situação de hoje é vivida por causa de um histórico de desmatamento. Isso provoca mudanças regionais microclimáticas. O uso errado da terra, o assoreamento dos rios, tudo isso tem como consequência uma mudança no clima. Associado a essa questão, ainda existem as transformações  provocadas pelo aquecimento global.

Tais mudanças tendem a se estabelecer reforçando extremos: onde chove mais, a tendência é chover mais; onde chove menos, a tendência é chover menos ainda. E para o especialista, se isso se confirmar, um novo cenário vai se formando. O Espírito Santo, que já tem 28 municípios ligados administrativamente à  Sudene, passa a ter que pensar mais em algumas regiões como um clima semiárido.

Um indício disso é que essa estiagem atingiu até mesmo a região serrana e o sul do estado. Por isso, esse novo desenho deve ser usado para se construir uma nova visão do uso do meio rural, em termos de tecnologias e conhecimentos. "Para que a produção agrícola continue com novos elementos, novas bases e, principalmente, tomando mais cuidado com a proteção ambiental", reforça Squettino.

Henrique Lobo, engenheiro agrônomo e especialista em recursos hídricos, aponta que as alterações no clima são ocasionadas por uma mancha solar em frente ao sol. Esse evento já aconteceu outras vezes e, desta vez, deve se prolongar pelos próximos 14 anos. A previsão é de que a média histórica de chuvas diminua de 10% a 20%. Serão períodos prolongados de seca e quando vierem as chuvas, elas serão mais concentradas. Como os solos foram degradados e tiveram sua capacidade de absorção de água diminuída, mais enchentes poderão acontecer.

José Geraldo Ferreira da Silva, coordenador do sistema de informações meteorológicas do Incaper, diz que as mudanças climáticas, segundo alguns cientistas, têm causa antrópica. Ou seja, tem as mãos do homem. Se isso de fato for verdade, cada setor da sociedade tem sua parcela de culpa. Mas a própria confirmação de que exista mudanças climáticas é complexa. Alguns concordam, outros não. Mas, para o especialista, melhor esperar pelo pior. Por isso, pensando em um aumento de temperatura e na redução das  chuvas, todo o comportamento do cidadão, da indústria e da agricultura precisa mudar.

A ciência e a tecnologia são aliadas da agricultura. Para continuar o desenvolvimento de materiais com tolerâncias diversas, ao calor e à seca, por exemplo. Fazer estudos sobre as tecnologias de irrigação e manejo, de cultivo sombreado. Ou seja, formas de produção que necessitem de menos água. Esse é o caminho que deve continuar a ser percorrido, acredita José Geraldo.

Caminhos
A mudança da relação do homem com o solo é um dos pontos principais para que a realidade se transforme. “Precisamos recuperar as áreas possíveis com floresta, precisamos cuidar do solo. O solo é fundamental, com ele se faz floresta, se conserva água. Mas nós usamos muito mal grande parte das vezes... É fundamental uma mentalidade conservacionista. Mas não uma conservacionista romântica, mas conservacionista de que conservar é a base da sustentabilidade, é a base de produzir, de gerar emprego, é a base pra manter em funcionamento tanto o ambiente, quanto a sociedade", reforça Schettino.

"Temos que aprender muito. O Brasil sempre foi assim: temos 25% dos rios do mundo. Somos o país com mais água doce na terra. Temos 12% da água doce da terra. Mas tem uma conta: somos 200 milhões de pessoas, 22 milhões moram mora na Amazônia, onde tem 75% da nossa água. E onde tem 25% da nossa água, moram 180 milhões de pessoas. Então, nós temos que aprender a conviver com muita gente e todos precisando dessa pouca água" (destaque), ressalta Henrique Lobo, especialista em recursos hídricos. Com essa conta, é necessário pensar em uma saída. Tirar água do mar? O especialista explica que o custo é muito alto: 15 milhões de dólares para cada cem mil habitantes. Então, é preciso aproveitar a água disponível.

Recuperar nascentes, fazer caixas secas, reflorestar topo de morro, manter floresta, ter barragens para armazenar a água. Para se ter uma ideia de como o ciclo da água precisa ser preservado, quando a chuva cai no topo do morro pode demorar até seis meses para fazer a curva dentro do solo e chegar às nascentes. No entanto, em um período de seca de três anos, o que acontece? A nascente seca. Por isso é tão importante manter as áreas de recarga com capacidade de infiltrar essa água. O especialista diz que a força do Espírito Santo está nas nascentes. A água subterrânea existe em alguns pontos, mas a maior parte do território não tem água para captação profunda. O cuidado precisa ser redobrado.

Comitês de Bacia
Um dos mecanismos que existem para ajudar na restauração de áreas estratégicas para o ciclo da água, é o comitê de bacias hidrográficas. Élio de Castro, presidente do Fórum Capixaba de Comitês de Bacias Hidrográficas, destaca que essa chuva de agora é boa, mas não vai resolver o problema, justamente por conta dessas questões já apontadas. "Está bom, porque está chovendo. Mas parou a chuva e a água não alimentou o lençol freático, não houve recarga hídrica, a água bateu e foi embora" (destaque).

Para o especialista, uma das formas de reverter essa situação é instrumentalizando os comitês de bacia, responsáveis pela gestão dos rios. Exemplo disso é que  apenas seis comitês do estado, de um total de 12, têm um plano. O plano é uma espécie de diagnóstico dos rios que compõem as bacias. Por meio dele, é possível saber a situação da bacia, os principais problemas.

Para Élio, uma forma de dar força aos comitês do estado é instituindo a cobrança pelo uso da água. Desde 2015 há autorização legal para isso, mas os comitês não estão instrumentalizados adequadamente  ainda. O Espírito Santo é o único estado do Sudeste que ainda não faz  essa cobrança. Para o presidente do Fórum, essa medida é necessária por dois motivos: o primeiro é racionalizar o uso da água, porque quando você paga, você gasta com mais critério. E o outro motivo é levantar recursos para recompor essas bacias.

Mas para que a cobrança aconteça, os comitês precisam de uma infraestrutura técnica. Tanto para elaborar um diagnóstico da bacia, quanto para conseguirem calcular esse valor.  Não é uma tarefa fácil, é preciso conhecer todos que consomem aquela água, ou seja, é necessário um cadastro de usuário, que é de responsabilidade do governo estadual. "Precisamos tomar atitudes rápidas. E essas atitudes passam, sem medo de errar, pelo fortalecimento dos comitês de bacia hidrográficas", pontua  Élio.

Agricultura
Schettino acredita ser fundamental que mais cursos sejam levados para a zona rural. Órgãos de pesquisa e também de  extensão precisam se associar às  Universidades para que isso aconteça. Se os produtores entenderem, principalmente, de gestão rural, eles vão poder planejar melhor suas atividades e gerenciar o espaço para que ele  seja sustentável.

O professor brinca que tem uma palavra que é mágica: percentual. Se você divide parte da sua propriedade em reserva, área de preservação permanente, área reflorestada, é possível  organizar tudo de uma maneira a destinar a quantidade adequada de terra para a produção agrícola. Assim, o homem do campo  alia as duas coisas.

“E isso é possível. É importante que se produza madeira, é importante que se tenha reflorestamento. Tanto reflorestamento com o cunho de se recuperar áreas para a biodiversidade como aquele que se produza a lenha, mourão, para construção rural e até pra vender e gerar renda. Eu penso que a maioria entende isso, quer isso, talvez precise de mais de comunicação e discussão sobre o tema", reforça Schettino.

A própria palavra Sustentabilidade precisa ser discutida. O especialista o diz que essa é uma palavra muito fácil de ser ouvida, mas difícil de ser praticada. Porque ela deve ser pensada como um tripé que conjuga os aspectos ambientais, econômicos e sociais.

“E dentro disso, o que é sustentabilidade? É um agricultor olhar pra sua terra e pensar: como meu filho daqui a 100 anos vai usar essa terra? Então, quanto eu posso utilizar desse solo? Quanto eu tenho que preservar de floresta? O que eu tenho que fazer pra ter água pra daqui a 100 anos isso possa continuar funcionando? Ter pássaros, ter árvores e ao mesmo tempo ter produção, ter renda, ter o funcionamento dessa propriedade. (destaque) Isso é difícil? É. Mas não é impossível e é fácil de fazer se se assumir um compromisso com o futuro, com as pessoas que virão", propõe.

"O fundamental é entendermos que nós somos parte da natureza, parece que há uma dissociação no pensamento das pessoas de que a natureza é uma coisa e nós somos outra. (destaque) E esse entendimento de que fazemos parte, no meu entender fica claro quando a gente tem que cumprir a legislação. Respeitar a legislação, preservar as margens dos rios, os topos de morro, a reserva legal... Tomar os cuidados de não poluir a água indevidamente, uso de agrotóxicos com os cuidados devidos, se assim o fizermos temos condições plenas de ter um desenvolvimento muito mais responsável, uma qualidade de vida melhor, a qualidade de vida implica uma saúde melhor para o meio rural, saúde melhor para as pessoas da cidade”, finaliza Schettino.

Fonte: Esther Radaelli / G1 ES