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Imunidade reforçada

Cientistas da Universidade Federal de Viçosa (UFV), na Zona da Mata de Minas Gerais, conseguiram decifrar como as plantas se defendem de uma dos mais destrutivas pragas que atingem lavouras no Brasil e no mundo, o begomovírus. A descoberta pode livrar plantações, em especial a de tomate, desse parasita causador de perdas estratosféricas na agricultura. Capaz de infectar grande variedade de hortaliças e leguminosas, o micro-organismo representa sério problema nas culturas de tomate e feijão, nas quais as perdas chegam a 80%.

“Descobrimos que o vírus consegue inativar uma proteína da célula vegetal chamada NIK1. Ela é a primeira defesa da planta e responsável por acionar o sistema imune. Até então, ninguém havia mostrado isso”, explica a coordenadora da pesquisa, Elizabeth Pacheco Batista Fontes, professora titular do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFV e coordenadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Interação Planta-Praga (INCT Praga/Planta).

Além de esmiuçar o mecanismo de defesa vegetal, pesquisadores da UFV alcançaram um feito inédito ao identificar novos genes que participam do sistema imunológico das plantas — o L10 e o LIMYB. A partir das conclusões, o grupo também desenvolveu, em mutação feita em laboratório, um tomateiro transgênico tolerante ao begomovírus. Na planta modificada, a proteína NIK1 consegue acionar demais mecanismos de defesa, mesmo se estiver contaminada.

Os tomateiros modificados geneticamente ainda estão isolados na casa de vegetação da UFV e só vão para o campo depois de autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). “É uma alteração genética usando proteína da própria planta. Se esses tomateiros resistentes forem disseminados, não representam risco, apenas melhoria genética”, reforça Elizabeth. O grupo de pesquisadores pretende aguardar interesse do mercado para abrir processo na CTNBio. A técnica desenvolvida pode ser aplicada a outras culturas e permite à engenharia genética produzir variedades mais resistentes.

Invasão

Atualmente, o principal combate ao begomovírus ocorre de forma indireta, focado em seu vetor, a mosca branca, que contrai o parasita ao se alimentar de plantas doentes. Inseticidas são usados em larga escala para matar a mosca e evitar a transmissão do vírus. Uma vez infectadas, elas começam a ficar com as folhas amarelas e param de crescer.

Embora, no Brasil, a maior epidemia seja em tomateiros e feijoeiros, culturas como as de soja, abobrinha, repolho, quiabo e algodão também sofrem com ataque do vírus, disseminado pelo mundo. Países como Estados Unidos, Índia, China e Espanha enfrentam problemas semelhantes. “Ao infectar a planta, o begomovírus invade a célula vegetal e usa essa estrutura para viver”, explica a pesquisadora.

As descobertas da UFV, publicadas na revista britânica Nature, são resultado de cinco anos de pesquisa e envolvem três teses de doutorado desenvolvidas pelos alunos de pós-graduação João Paulo Batista Machado, Cristiane Zorzatto e Kênia Lopes. Outros 14 pesquisadores participaram do estudo, apoiado pelo INCT. O primeiro passo da pesquisa foi clonar o genoma do vírus e introduzi-lo na planta saudável. “A ideia era entender a maquinaria da planta”, conta Elizabeth.

Tudo isso foi feito num sistema de contenção isolado do meio ambiente e introduzido na espécie Arabidopsis thaliana, planta modelo para estudos básicos de genética e biologia molecular. Cientistas observaram que, ao invadir a célula vegetal, o begomovírus começa a sintetizar a proteína NSP. Ela interage com a proteína NIK1 — produzida pelo vegetal e responsável por acionar o sistema imunológico da planta. A NSP consegue anular o efeito da NIK1 e, como consequência, a planta fica vulnerável à ação viral.

“Fizemos uma mutação da NIK1 dentro do laboratório, para que ela fosse capaz de acionar o mecanismo de defesa da célula mesmo na presença do vírus e descobrimos como ela faz para combater o invasor”, conta Elizabeth. Em linhas gerais, a NIK1 inibe a síntese de proteínas da planta e, com isso, seu crescimento e sua atividade. Para sobreviver, o vírus recruta a maquinaria da planta para sintetizar as proteínas. Mas, como toda essa estrutura foi deprimida estrategicamente para impedir a ação do begomovírus, o parasita não consegue se desenvolver.

Fonte: Correio Braziliense