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Desafio de fazer a soja render mais

De tempos em tempos, os produtores gaúchos comemoram um novo recorde na produção de soja. O mesmo entusiasmo, porém, não é visto quando as atenções se voltam para o rendimento das lavouras. Embora seja o terceiro maior produtor de soja do país, o Rio Grande do Sul é o Estado com a menor produtividade média da oleaginosa na última década.

Dados da Companhia Nacional do Abastecimento (Conab) mostram que sojicultores do Estado colheram 2.427 quilos por hectare entre os ciclos de 2005/2006 e 2015/2016 - volume inclusive inferior à média nacional no período, de 2.822 quilos por hectare. Com a largada oficial no plantio no dia 20, as máquinas começaram a avançar pelo campo aos poucos, e o desafio está colocado mais uma vez: como tornar a cultura mais eficiente, produzindo mais em uma mesma área?

O sojicultor Alceu Antonio Bedin, de Ronda Alta, no Norte, arrisca um palpite. Segundo ele, é preciso fazer o dever de casa e contar com a colaboração do clima. Na safra passada, Bedin colheu 74,3 sacas (4.458 quilos) por hectare em uma área de 270 hectares, obtendo uma produtividade 50% superior à média estadual (49,5 sacas ou 2.970 quilos). O segredo? Fazer análise de solo a cada dois anos, investir em boas variedades de sementes e controlar a velocidade das máquinas no plantio, que não passa de cinco quilômetros por hora.

— Se chover bem, espero produzir pelo menos o mesmo que na safra passada — projeta o sojicultor, que também cultiva trigo, aveia e canola e antecipou a semeadura de 55 hectares para evitar o veranico no fim do ano.

Há consenso entre especialistas de que é possível, sim, elevar os patamares da produtividade da soja no Estado - também no Brasil. Mas o principal entrave são as condições climáticas do território gaúcho. Nos últimos 10 anos, o Estado enfrentou duas secas, em 2005 e 2011, o que prejudicou a colheita, deixando os produtores descapitalizados. Outro fator a ser levado em consideração, dizem as fontes consultadas pela reportagem, é o perfil das propriedades rurais - mais de 90% delas têm menos de 100 hectares.

— Temos uma condição de clima e de solo que varia de região para região. O Estado é bastante heterogêneo e, consequentemente, a produtividade também — diz o agrônomo Alencar Rugeri, assistente técnico estadual da Emater.

De acordo com o professor Paulo Dejalma Zimmer, da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), o aumento da produtividade passa por um manejo adequado do solo e do processo de semeadura. Para minimizar perdas decorrentes de períodos de estiagem, Zimmer sugere a ampliação da cobertura de palhada, como forma de proteger a umidade do solo. Adquirir sementes de qualidade — e testá-las — também faz toda a diferença, garante o professor:

— O produtor está sempre procurando um botão mágico, mas ele não existe. Precisamos construir o tipo de lavoura que desejamos, e isso passa por detalhes. Conheça o que você coloca na plantadeira e distribua bem.

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Área cultivada deve se manter no estado

Conforme o primeiro levantamento de grãos da Conab, o país deve colher entre 101,9 e 104 milhões de toneladas no atual ciclo. No Rio Grande do Sul, a tendência é de manutenção da área cultivada e produção de até 15,6 milhões de toneladas — na safra passada, foram 16,2 milhões de toneladas. Segundo a Conab, os produtores gaúchos farão maior uso das lavouras de arroz em rotação com a soja, devido às condições climáticas favoráveis de baixas precipitações previstas para este ciclo.

Na comparação com outros grãos, o crescimento da produtividade da soja deixa a desejar. Nos últimos 40 anos, esse aumento foi de 252% no arroz e 157% no milho. Na soja, apenas 64%. Para o chefe da Secretaria de Inteligência e Macroestratégia da Embrapa, Elísio Contini, a cultura "evolui mais devagar por que já começou moderna". Ele lembra que a média nacional está se aproximando dos Estados Unidos, principal produtor mundial. Na safra passada, os americanos colheram 3.264 quilos por hectare ou 54,4 sacas, cinco a mais que os brasileiros.

— Nos últimos anos, tivemos um avanço espetacular. Dá para melhorar? Claro que sim, e a gente está melhorando — informa Contini.

Venda futura recua 50% no Estado

Da euforia à cautela. Assim pode ser descrito o ânimo dos agricultores em relação aos contratos futuros da safra de soja. Até agora, o Rio Grande do Sul comercializou 13% do que deve ser colhido no ciclo 2016/2017 — metade dos 26% negociados na mesma época do ano passado. A Safras & Mercados informa que a venda futura da safra brasileira chega a 22%, ante a 38% no ano passado.

O dólar em queda e a supersafra dos Estados Unidos, que deve colher 116 milhões de toneladas, estão freando os negócios, avalia o consultor Luiz Fernando Gutierrez Roque, da Safras & Mercados. No Estado, a saca (60 quilos) está sendo comercializada a R$ 77,5, contra R$ 83 em 2015.

— A expectativa é que os preços melhorem. Chicago, apesar da supersafra americana, está precificado, e as atenções se voltam para as safras brasileira e argentina. Há muitas incógnitas, principalmente devido ao clima — avalia.

No entanto, os custos de produção continuam tirando o sono do produtor. Segundo o presidente da Associação dos Produtores de Soja do Estado (Aprosoja-RS), Décio Teixeira, as despesas com insumos estão até 20% mais caras. No Estado, o custo corresponde a 36 sacas, conforme Teixeira. Ele espera que os preços ao menos se mantenham e aposta em uma grande demanda por parte da China, maior consumidor mundial da oleaginosa.

Clima estimula antecipação de plantio

Na tentativa de evitar possíveis efeitos do La Niña e de colher uma segunda safra de verão, produtores antecipam o cultivo da soja no Estado. Mesmo que o período recomendado pelo calendário agrícola seja de outubro a dezembro. É o caso de Nilmar Largo, de Constantina, no Norte. Ele iniciou o plantio desta safra em setembro. Por conta e risco.

— Nunca plantei tão cedo.

Se o tempo colaborar, espero colher essa área em janeiro e, depois, plantar milho para silagem - conta o sojicultor, que destinou para o experimento quase 10% dos 220 hectares que serão destinados à oleaginosa neste ciclo.

Segundo Alencar Rugeri, assistente técnico da Emater, a antecipação do plantio vem ocorrendo — e se intensificando, embora ainda seja incipiente — nos três últimos anos, principalmente no Norte e Noroeste do Estado.

Rugeri alerta que, ao fugir da janela do zoneamento, o produtor perde o respaldo do seguro agrícola. Além disso, ao realizar uma segunda safrinha de soja na mesma área cultivada mais cedo com a oleaginosa, aumenta o período de exposição da cultura a pragas e doenças, quando deveria fazer rotação com outros grãos.

Fonte: Jornal Zero Hora.